Procurador de coisas

sábado, 26 de janeiro de 2013

A RETOCOLITE E EU


Nascido e criado em igreja evangélica, me afastei dos cultos nos meados a adolescência, aos 16 anos. Isso foi em 1992. Passei  sair, beber e me divertir pela noite, nos churrascos, reuniões de amigos. Em 1997, resolvi voltar pra Igreja. O que isso tem a ver com a minha doença? Nada, mas será cenário pra uma das circunstâncias que vivo hoje.
No ano seguinte, comecei a sentir dores intestinais muito fortes, sangramento por dias e dias. Os que me cercavam, todos se achando um pouco médicos, davam suas opiniões e diagnosticavam o que eu tinha. Sugestões para tratamento? Até uma mistura de água, açúcar, suco de limão e vinagre me deram. Até que procurei o médico. Eu não tinha plano de saúde. O primeiro “diagnóstico” foi giardíase. Destaca-se entre aspas a palavra porque o médico simplesmente olhou pra minha cara e receitou o remédio. Dias depois, nada resolveu e procurei um hospital público, o Rocha Faria. Relatei o quadro e o médico simplesmente emitiu uma receita para o mesmo problema: giárdia. Isso, sem nenhum exame, nem mesmo o clínico. Tomei remédio por mais uns dias, mas não pude deixar de procurar outra coisa. Até que um tio meu tinha algum conhecido no Hospital da Lagoa. Com muita insistência, consegui ser atendido, fazer exames, e ser internado. Alguém que sangra por dias e dias não pode mesmo estar bem. Fiquei internado por 11 dias lá. Nesse tempo, ficava desesperado porque ia ao banheiro muitas vezes por dia, sempre com muita dor e sangramento. Ali, fiz meu primeiro exame traumático: a retossigmoidoscopia, que consiste em insistir um tubo de metal em lugar nada confortável e em posição altamente constrangedora. Nesse dia, não entendi como é que existe o tal passivo... Sem conhecer ainda direito as consequências da doença no meu corpo, resolvi subir seis andares do hospital de escada. Achei que fosse morrer no leito do hospital, pois me faltava ar e as pernas pareciam que tinham sumido.
Precisei fazer outro exame depois que saí de lá: a colonoscopia. Fiz no Miguel Couto, pois na Lagoa não havia aparelho. Eu não me lembro de nada, mas meus acompanhantes disseram que eu gritava desesperadamente como se fosse morrer. Eu estava dopado. O exame consiste em enfiar uma mangueira no mesmo local constrangedor da retossigmoidoscopia, só que, sob efeitos de remédios, nada senti dessa vez.
Passados os dias e feitos esse um exame laboratorial, veio o diagnóstico de retocolite ulcerativa, nomezinho estranho na época. Naqueles dias, emagreci oito quilos, bastante pra quem pesava apenas 59, ou seja, cheguei aos 51, mais de 20Kg menos do que tenho hoje. Conheci a prednisona, corticoide poderoso no combate à crise de retocolite, mas cruel em alguns efeitos. Nessa primeira vez até que não foram tão severos, pois eu tomava apenas 40mg por dia, ao mesmo tempo que tomava 4g de sulfasalazina. Recuperei-me da crise, voltei lá, mas não fui nada esclarecido sobre o que eu tinha. Os remédios eram caríssimos, pois na época não havia genéricos. Uma caixa de Meticorten durava cinco dias e a de Azulfin, nove. Pra se ter uma ideia, os valores de hoje estão em torno de R$18 e R$68, respectivamente, ou seja, eu gastaria hoje R$326 por mês. Eu entendi que era uma doença de gente rica.
Sem esclarecimentos, com preços assim e passando a dor e o sangramento, tudo que eu mais queria, achei que estava livre da retocolite, achei que tinha cura. Que nada. Cinco anos depois, no meio do trabalho, tive uma crise forte. Era o pesadelo voltando e eu sabia disso a partir daquele momento. Entrei na emergência mas fui liberado. Procurei outro hospital e lá me internaram, ou melhor, chamaram uma ambulância para o hospital do convênio. Fiquei lá por infindáveis 25 dias. Conheci o que era estar com muitos equipos pendurados. Antibióticos, soro, medicação pra dor, pro estômago, pra enjoo... Foram os piores dias até então. Eu deixei quebrar dois termômetros por ter esquecido que estava com eles no banheiro. As dores eram tão fortes que eu via literalmente tudo preto e não desmaiava sabe-se lá por que... Era agoniante sentir tantas dores por tantas vezes e ter que ir ao banheiro em todas as vezes com aquilo tudo pendurado em mim. Pior: a enfermaria era pra três pessoas e imagine na hora que eu precisava usar o banheiro, sempre urgente, tendo alguém lá...  foram exatos 22 dias sem nenhuma melhora, até que, enfim, a medicação começou a fazer efeito. A exemplo da primeira crise, eu fiquei pele e osso, bem pior que da outra vez.
Nessa internação, conheci a dieta constipante, ou seja, isenta de leite e derivados, toda e qualquer gordura e condimentos. Eu aguentei bem os primeiros dias, mas ameacei a nutricionista dizendo que pararia de comer se a tal dieta continuasse, afinal, eu não conseguia mais comer mesmo. Ela flexibilizou e devorei um delicioso prato com arroz, feijão, carne picadinha e vagem. Nem lembro se na época eu comia vagem, mas sei que comi tudo. Saí do hospital e fui buscar ajuda de verdade, tratamento sério pois aquilo quase havia me matado. De verdade! Meses depois, meu amigo e colega de setor disse que o médico da empresa buscou saber informações minhas e disse a ele: você acredita em alguma religião? Pois comece a rezar porque seu amigo não está respondendo aos medicamentos.
Através de uma amiga da igreja, conheci o Dr. Antônio Carlos Moares. Na época, com 17 anos de especialização só em retocolite e doença de Crohn, a prima má da retocolite. Além disso, era diretor médico de um grande laboratório e um dos diretores do Copa D’or. Enfim, alguém em quem eu poderia confiar. Levei a ele os exames todos, contei o histórico. Eu ainda estava saindo da crise. Foi uma longa consulta, de muitos minutos, muita conversa e, principalmente, muito, aliás, todo esclarecimento possível. Entendi a origem da doença, que predominava em raça branca e em descendentes de judeus. É uma doença hereditária, mas não de transmissão direta, ou seja, meus pais não tiveram, nem meus avós. É possível que algum ascendente acima disso tenha tido. Aprendi que a retocolite não tem cura, mas é tratável. As palavras dele foram: “você vai morrer com a retocolite, mas não dela.” E prosseguiu: “Não me lembro de algum paciente que tenha tido complicações ou muito menos morrido por causa da retocolite.” A causa da doença não tinha sido descoberta ainda, mas sabia-se apenas que estava ligada a fatores emocionais, ou seja, a causa era sempre externa.
Tratava-se de um médico conceituado. Passava boa parte do ano no exterior em congressos, ministrando alguns, inclusive. Apesar de todo esse conceito, sempre foi extremamente humano na hora de lidar comigo nas consultas. Era realmente um médico com vocação para tal. Anos depois, descobri, pela TV, que ele havia atestado o óbito da mãe de Roberto Carlos, ou seja, ele continuava com seu sucesso profissional.
Entre tantos esclarecimentos, um que foi a minha grande alegria. Claro que todos os amigos tinham lá suas razões para eu ter aquilo e insistiam em me privar de muitas coisas, sobretudo no que diz respeito à comida. Era meio óbvio, pois o problema era intestinal e algo causaria aquilo ali. O Dr. Antônio Carlos desmitificou a questão alimentar dizendo que, e exceção de condimentos fortes, que eu deveria evitar, e não me privar de vez, eu não tinha nenhuma restrição alimentar. Fez apenas uma ressalva: na crise, eu deveria evitar os derivados de leite por causa da lactose. Não por uma questão de agravamento da doença, mas por conforto, pois a lactose me faria ir mais vezes ao banheiro, portanto, eu sentiria mais dor, mais vezes e por mais tempo. Eu já tinha ouvido isso de outra médica antes de me internar pela segunda vez, mas não dei lá muito crédito. Fui descobrindo que a alimentação restrita acabava por piorar o meu quadro em vez de melhorar, pois como se trata de uma doença ligada ao emocional, a restrição alimentar me deixava mal, pois nada pior que você não poder comer o que gosta.
O Dr. Antônio Carlos me apresentou outra medicação, mais atual e apropriada para a doença: a mesalazina. O que era uma doença de rico passou a ser doença de rico e famoso porque a caixa pra 10 dias custava mais de R$100. Isso há 10 anos... Os genéricos já existiam, mas não para esse medicamento. Comprei por alguns meses, quando começaram as crises financeiras. Depois, consegui receber pelo Governo do Estado, mas vivia em falta. Mais um detalhe: apesar de eu trabalhar, o Dr. Antônio não estava nos conveniados, ou seja, eu desembolsava R$120 na época. Mesmo assim, precisava me tratar e prossegui.
Tempos depois, continuando o tratamento, o doutor fez outro esclarecimento para iniciar uma outra fase no tratamento. A retocolite é uma doença autoimune. Em resumo, o meu organismo não reconhece meu intestino como meu e o ataca. Então, entramos com uma medicação mais atual e apropriada, chamada azatioprina.  Essa medicação é usada em pessoas transplantadas. Meu irmão, transplantado de rim, usa a azatioprina. Trata-se de um remédio contra a rejeição de órgãos. Exatamente isso! Para o meu intestino não ser rejeitado por mim e eu mesmo parasse de atacá-lo. Claro que era mais um remédio caro, mas esse aí o meu irmão recebia de graça e tinha sempre sobrando. Também recebi do Governo, mas como a mesazalina, vivia em falta.
O tempo passou, a grana ficou curta de verdade. O convênio da empresa me permitiu conhecer outro médico. Tratava-se do Dr. Paulo Marcelo. Igualmente humano, igualmente competente. Fez parte da equipe que tratou vice-presidente José de Alencar. Continuamos o tratamento. Como estava tendo crises muito seguidas, a atitude seguinte seria aumentar a dose de azatioprina, o contra rejeição. Infelizmente, causou-me uma pancreatite medicamentosa e, nesses casos, deve-se suspender permanentemente, ou seja, não tomaria mais o medicamento mais avançado pra doença. Agora, preciso procurar outro médico, pois o Dr. Paulo não atende mais. Essa é mais uma dificuldade. Não basta ser gastroenterologista, é preciso saber lidar com a doença especificamente.
Quando comecei o tratamento com Dr. Antônio, tive minha época mais ativista no que diz respeito à doença. Entrei em comunidades do Orkut, troquei experiências, aprendi e ensinei, consolei e fui consolado. Conheci gente especial, como a Patrícia Mendes, de Minas, que se tornou minha amiga-irmã. Comecei a entender outras coisas sobre a doença dessa forma.
Para entender o que passo, resolvi fazer uma enquete na internet sobre a intensidade da dor da crise então, perguntei às mulheres portadoras da doença que haviam feito parto normal qual era a intensidade da dor da crise em comparação à dor do parto. Todas foram categóricas em afirmar que era a mesma. Tempos depois, tive uma crise renal e lembrei que uma amiga da família teve parto normal e cólica renal e fez a mesma afirmação. Pude, então, associar as três dores. Imagine sentir dores de parto por várias vezes ao dia e à noite.
A crise é isso: sentir dores fortíssimas por 10, 15, 20 vezes ao dia e à noite. Ela debilita porque a gente não dorme à noite. Cada vez que se vai ao banheiro são muitos minutos de dor muito forte. Muitas vezes, a gente acaba de sair do banheiro e tem que voltar par uma nova sessão. Não tem analgésico que dê jeito.
Também aprendi que a retocolite não é é absoluta, ou seja, ela se manifesta de diferentes maneiras nas pessoas. Algumas, de fato, têm problemas com alimentação, do tipo que não podem comer certas coisas que passam mal. Tem quem beba uma cerveja e sofra as consequências por isso e tem quem encha a cara e não sofra um tico no dia seguinte. Tem quem viva em crise, tem quem vive com o intestino instável. Alguns não vivem sem medicação contínua, outros só usam em época de crise. Tem quem tenha crise por qualquer problema e tem os que raramente têm crise.
Passados 15 anos, já tive várias crises e, se não perdi a conta, oito internações. Isso me gerou algumas consequências. A dose inicial de corticoide para tratar a crise teve que ser elevada para 80mg (há 15 anos eram 40mg). É um aliado poderoso no combate a crise. Entenda como crise sangramentos por semanas. Mas o corticoide traz severas consequências ao organismo. Já tive quase glaucoma, tive catarata medicamentosa, minha pressão arterial chegou a 18 por 11. A respiração é dificultosa, atividades simples, como um banho, cansam demais. O calor debilita, as cãibras são terríveis, as pernas sentem logo o cansaço e dedos, mãos pés e pernas travam do nada. Fora isso, tem o sintoma periférico da retocolite, que é a dor nas articulações.
A crise de retocolite é cruel. Trabalhando na iniciativa privada, por muitas vezes precisei tirar forças de onde não tinha pra não me licenciar tantas vezes. Acordava pra trabalhar às 4:20h, mas precisava acordar uma hora antes para ficar indo ao banheiro. Não era suficiente para evitar coisas ruins. Quase sempre eu tinha uma crise no meio do caminho, ou seja, tinha que segurar a dor a sangue frio, às vezes dirigindo, às vezes em um ônibus, em pé.
Tem o lado social também. No meu caso, a autoestima despenca porque fico inchado no rosto. Isso pode parecer besteira no meio de tanto sofrimento sério, mas pra mim é algo a mais e não algo pequeno que se pode comparar a todo o resto. A retocolite me fez desistir da música, minha paixão. Não posso me comprometer mais com os palcos com tantas restrições. As crises me prendem em casa e não posso ir a lugar algum. Tive que largar os shows por isso também, fora que a prednisona resseca as cordas vocais. Tem também a questão das cãibras e os dedos travares, não me permitindo tocar direito. A demora da remissão da crise me deixa mal humorado, e a variação de humor já é um dos efeitos colaterais da prednisona também. A doença me fez parar a faculdade e não iniciar novos projetos. Foi na marra que me tornei funcionário público, pois foi em meio a crise que estudei. Ela estraga bastante a pessoa que todos estão acostumados a ver. A minha paciência vai a zero, dependendo do caso, dou respostas grosseiras, mas me calo na maioria das vezes. Em 15 anos de doença, são as mesmas perguntas, as mesmas recomendações, os mesmos conselhos. A crise demora semanas e mais semanas pra acabar, mas as pessoas me perguntam todos os dias se estou melhor. Culpa de ninguém, mas isso me irrita e não posso controlar. Acabo por evitar as pessoas nesses dias difíceis.
As pessoas têm boa intenção, querem sempre ajudar, se preocupam, perguntam, mas como nada sabem sobre a doença ou mais ainda, não sabem como ela se manifesta particularmente em mim, aconselham, dizem que tenho que fazer isso, não fazer aquilo. Todos associam minha doença ou suas crises a algo, na maioria das vezes com o que eu como ou bebo. Mas, às vezes, vai um pouco além.
Outro dia, uma pessoa associou minha crise a um mau momento pessoal. Bem, isso é lógico, pois as crises vêm com problemas emocionais mesmo. Mas ainda essa mesma pessoa disse que teria a ver com a minha questão espiritual, que isso estava assim por eu estar longe de Deus e tal. Eu permaneci longe de Deus por vários anos na adolescência e, meses depois de voltar à Igreja, descobri a doença. Associar isso a estar perto de Deus ou não é incoerente, pelo menos no meu caso. Eu não culpo Deus. Tenho retocolite porque isso dá em gente, em ser humano. Se eu fosse um cão, talvez tivesse sinomose ou parvovirose. Minha mãe vive orando, amigos da igreja fazem o mesmo e pedem pela minha cura. Eu mesmo pedi muitas vezes, crendo de verdade, lógico, pois não pediria algo a Deus sem acreditar. Mas hoje, me conformo. Usam o texto de uma mulher com fluxo de sangue que tinha isso por anos e que foi curada por Jesus. Eu creio nisso, faz parte da minha convicção religiosa, só quero ter o direito de achar que Deus não quer isso pra mim. Não tenho raiva de Deus, não me revolto com ele. Ele quis assim e ponto final. Minhas convicções religiosas não me “permitem” achar que todo tipo de reza ou pedido de outras religiões são bem-vindos, que somam. Não, eu acredito apenas na minha e pronto. Agradeço muito quando torcem por mim, mas acho que nada soma nessas horas. Eu não sofro menos por receber orações. Penso que, no meu caso, elas não vão me curar. De outras religiões porque não creio nelas e da minha por achar que Deus não quer isso pra minha vida.
Saindo da religião, não existe nenhuma fórmula mágica, nada tão oculto que não tenha sido descoberto para a doença. Já tomei os remédios mais avançados, e os exames são todos os mais adequados. Perguntam de cirurgia, se ela é possível. É sim, mas é um caso muito extremo. O tratamento usual é o que faço. Se um dia ele não der resultado, existe uma outra etapa, com um medicamento chamado Remicade, que é aplicado em hospital com semi-internação. A cirurgia que tanto perguntam é a retirada de parte do intestino e ficar com uma bolsa pendurada no corpo no lugar dele, que deve ser esvaziada algumas vezes por dia. Nada bom, né? Não é uma alternativa que se pense, não? Eu não penso nela. Prefiro tomar esses remédios e aturar seus efeitos.
Sobre a comida, bem, como eu disse, não tenho restrições alimentares. Bebida alcoólica? Eu não bebia até dois anos atrás, aliás, bebia até meses antes de ter crise, ou seja, bebi por cinco anos sem ter nada manifestado da doença. Parei de beber, voltei pra igreja (entende-se: passei a ter uma vida regrada novamente) e então veio a doença. Fiquei 13 anos sem beber e depois que voltei, não senti nenhuma diferença. Eu como de tudo, bem, tudo que gosto. Não tenho alteração nenhuma quando como um torresmo, uma lasanha, carne de porco, de boi, de frango, peixe, ovo, leite... nada altera meu intestino diferente do que poderia alterar o de qualquer outra pessoa. Aliás, algo sim. Como eu disse, a retocolite se manifesta de diferentes formas nas pessoas. Eu evito os condimentos fortes ou coisas que tem essa característica. Como presuntos e embutidos, hambúrguer, mas não posso comer mortadela. Quando como, tenho consequências no dias seguinte, mas não é crise da doença. É uma reação normal que dura o tempo do dias seguinte e pronto. Não passo mal, não tenho sangramentos, não fico dias indo ao banheiro com diarreia. Nada disso. Mas eu evito a mortadela. Quando muito uma fatia com pão e só, mas raramente. Comprar eu não compro. Como quando estou na casa de alguém e só. Se eu comer sempre vou ter crise? Não sei, é condimentado e essa foi a única recomendação que tive do médico. Então, sigo o que ele disse.  Mas como eu falei, as pessoas fazem uma associação direta e lógica. O problema é no intestino, portanto, está ligado à alimentação como uma gastrite. O que as pessoas têm que entender é que a alimentação não tem nenhuma influência na minha doença, nem na causa e nem na consequência. Às vezes, estou em crise e faço uma restrição de lactose, mas tem dia que não suporto e resolvo tomar um café com leite e o mais interessante é que esse café com leite, em vez de trazer consequências ruins, traz boas, pois ao mesmo tempo que estou ingerindo lactose, estou me satisfazendo, ou seja, estou mais feliz naquele momento porque a restrição alimentar da crise também tem um efeito dominó. Se ela se prolonga por muito tempo, ela acaba comigo. Não adianta usar do artifício “é pro seu bem”, que não resolve. Se na crise eu tiver que comer um empadão, vou comer. Não se trata de ser maluco, de fazer loucuras ou ser inconsequente. São nada menos que 15 anos lidando com isso, sabendo os limites do corpo, entendendo o que posso ou não fazer. Estou saindo de uma crise e ontem tive vontade de comer linguiça fritinha, bem torradinha no macarrão que tinha feito. Comi. Piorei no dia seguinte? Não. O estômago reclamou? Não. Voltei a ter sangramentos? Não. Eu arrisquei ter? Talvez, mas até então nada aconteceu e não falo dessa vez, falo de fazer isso por esses anos todos. Essa é a razão pela qual converso com a nutricionista sempre que me internam. Claro que elas nunca me ouvem, pois seguem uma cartilha que diz que diarreia pede dieta constipante. O argumento é que se eu não fizer, será pior. Eu não vejo isso na prática e mesmo que sentisse isso, preferiria sofrer um pouco mais comendo coisas boas do que sofrer duplamente com a crise e com a dieta. Não é o caso. Sofrer não é bom e eu não faria nada comigo que me levasse além do limite, porque a crise, pra mim, por enquanto, é o limite.
Então, com todo respeito às pessoas que tentam me ajudar, que contam suas histórias e experiências, acho que cada um tem a sua medida, sabe do seu sofrimento. Mais um detalhe. São tantos anos sofrendo com isso. Será que eu não trocaria tudo isso, quase morrer por algumas vezes, sangrar por semanas, perder autoestima e outras coisas mais por uma dieta? Se os médicos dissessem que eu teria que comer isso e aquilo e deixar de comer aquilo outro pra ficar bom, eu faria sorrindo. Pena que não é o caso, ou não. Sabe-se lá se eu suportaria uma vida de privações. A amiga que me indicou o Dr. Antônio Carlos Moraes tem síndrome do colo irritável, muito menos severa que a retocolite, mas que proíbe a lactose. Já pensou?
Eu poderia resumir a doença assim. É hereditária, não tem cura, é tratável. Não tem restrição alimentar, está diretamente ao emocional, todas as crises são desencadeadas por algum problema da vida. Não existe fórmula mágica, nem remédio ainda não descoberto em outro país. Eu não estou sozinho nessa. Tem comunidades de gente que se engaja de saber de alternativas, remédios novos. Acreditem, se houvesse algo novo e inovador, eu saberia. Essa é a realidade de retocolite na minha vida, uma doença que varia de pessoa pra pessoa. Uma doença que é muito difícil pra mim, que me traz restrições, que acabou com minhas veias. Não sei já me conformei de vez, mas relaxo.
Eu desejo muito o carinho das pessoas, embora todo esforço que façam pra me entenderem não seja suficiente. Apenas alguns amigos mais restritos entendem do que falo. É um problema severo que não tem graça, não admite piadas, não deixa margem pra risos. Não é uma caganeira, não tem graça dizer que é pra tomar chá de rolha ou comer farofa. Não é bom ficar em casa preso, sentir dor, ficar inchado, abandonar sonhos. É ruim e realmente não tem graça. Tive crises tão severas que pedi pra morrer várias vezes, pedi a Deus que me levasse. O desespero me fazia esmurrar minha própria barriga. Isso mesmo, dava socos em mim mesmo por não saber mais o que fazer. Alguém ainda acha que pra um quadro tão grave um suco de goiaba vai resolver?
A crise deprime, mas isso passa. Depois a gente respira e volta tudo ao normal. Infelizmente, alguns mais próximos me poupam dos problemas quando estou mal, mas se esquecem de fazer o mesmo quando estou bem. As pessoas me trazem problemas desnecessários, descarregam em mim e podem gerar crises. Depois, não adianta ter cuidado comigo porque depois que se arromba o cadeado tanto faz.
Procuro ter uma vida mais tranquila, uma cabeça boa,  mas nem sempre isso evita a crise. Já tive crise estando bem da cabeça, mas o intestino absorve, não tem jeito. Não está no meu controle, quase nuca está.
Bem, meu objetivo era trazer a realidade da minha doença pras pessoas que conheço. Espero que tenha conseguido.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

"HOJE NÃO ESTAVA NADA BEM, MAS A TEMPESTADE ME DISTRAI"

Enquanto ouvia "Esperando Por Mim", prestava atenção nos arranjos musicais. Engraçado como simplicidade nada tem a  ver com algo ruim. Claro que gostar ou não de Legião Urbana está em cada um e gostar muito ou ser fã é mais particular ainda. Mas com o conhecimento que adquiri de música nos meus quase todos os anos em contato com ela, vejo o quanto a Legião sabia fazer isso. Preencher a música ao mesmo tempo com simplicidade e inteligência.

"Esperando Por Mim" fala dos "pingos de chuva, dos relâmpagos e dos trovões", exatamente o que acontecia quando ouvia a canção. Até nem acredito que seja proposital, mas a música sugestiona isso: que a mesma combina com o temporal. O temporal pode ser terrível para muitos quando suas consequências são desastrosas, mas poeticamente  falando, o temporal, ao contrário do que a literalidade da coisa apresenta, é algo extremamente tranquilizante. Ouvir a tempestade traz certa tranquilidade que até então não havia me dado conta.

O cenário é um homem em crise de uma doença crônica, que havia acabado de chegar do hospital sob forte tempestade e que havia passado dias terríveis. Chega em casa e não há energia, apenas um pouco de carga no notebook e um violão pra se distrair. Aí a gente se dá conta dos efeitos da natureza no nosso corpo. Se eu estiver mal, tomara que chova...

Ainda chove, a luz já voltou, eu estou mais calmo graças a chuva que Deus mandou pra me acalmar e refrescar o planeta. Eu precisava disso, sabe? De uma demonstração divina nas coisas que a gente nem percebe pra eu saber que os meios que Deus tem de nos trazer coisas. Confesso que por essa eu não esperava. 

Eu vou ficar aqui ouvindo a chuva e sentindo a brisa fresca que ela ainda traz. Está me fazendo um bem danado.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

UM 2013 BOM OU UM FUTURO MELHOR?


Vamos ser sinceros: a vida não vai mudar porque o ano mudou. O seu chefe estará lá no primeiro dia do ano, seus clientes chatos também. Aquele professor chato do período anterior pode te dar aula no segundo módulo da mesma matéria. Seus vizinhos vão continuar te incomodando.

Falando por mim, dormi em 2012 e acordei em 2013 passando muito mal de novo. Outra crise, a mesma do início e do meio de 2012, a mesma de 2011 e a que se repete desde 1998. Tem coisas que não tem como a gente ter mesmo esperança de melhorar.

Embora eu seja bem cético com relação à renovação de votos para o ano novo, acho que a gente pode planejar muitas coisas, sim. No fim do ano, quitamos dívidas e, sem promessas no estilo "começo na segunda", é a oportunidade de não repetirmos os erros do ano anterior pra melhorar as coisas. Acho que, pensando por esse modo, cada ano pode se tornar melhor se, de fato, mudarmos nossas atitudes. Tornar 2013 melhor depende só de nós mesmos. E, sem falso otimismo, isso irá modificar muito pouco no que diz respeito ao alcance no mundo. A gente se realiza em muitas coisas, realiza coisas nos que estão ao nosso redor e... só.

Falando assim de novo, eu fico tachado mesmo como "O" pessimista. Mas essas mudanças que parecem simples eu não acho pouco, não. Ao contrário. Eu pretendo crescer dentro da minha empresa mesmo com essa doença complicada. Pretendo me superar cada vez mais. Isso requer esforço, e um grande esforço. Com a escassez de tempo que nos acomete, crescer na vida tornou-se um grande desafio, sem contar a concorrência. Por isso, embora as mudanças façam parte da nossa rotina, elas são importantes e são resultado de mudanças internas, nada simples.

Modificar coisas dentro de nós é complicado. A gente tira a preguiça, o comodismo, a desmotivação de dentro de nós. Almejar coisas existe paciência e fé. Pensar que aquilo dará resultado.

Nesse ponto, eu tenho esperanças em 2013. Pra ser mais sincero, tenho esperanças no futuro, mas preciso fazer algo pra isso. Se vai se realizar no ano que está nascendo ou não, eu não sei. Talvez seja essa a esperança que cada um tem e eu não enxergo. A esperança que tenho não tem referência com o calendário mas o resto do mundo pensa assim.

Espero que 2013 seja um ano muito bom para todos nós. Se algo relevante acontecer, fica a referência da data e dilui-se a magia da realização do ano novo.